sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Proclo dá medo

Quando um cara tem uma série de idéias geniais sustentadas por um caráter ilibado, há motivos para júbilo e louvor. Quando começa a fraquejar moralmente, imediatamente passa a encher sua produção intelectual de ambiguidades e vai perdendo, uma a uma, as razões para ser admirado. O que dizer então de um moço que toma para si a tarefa de opor o paganismo ao cristianismo, dando ao primeiro uma elaboração refinadíssima e blindando-o habilidosamente contra críticas, erguendo seu projeto até um nível de complexidade intelectualmente irrecusável? O que fazer diante da grandeza a serviço da putaria?

Andei pensando nisso ao confrontar a temível figura de Proclo.


Movimentos trádicos estendidos a toda a realidade; o retorno do Princípio a si mesmo; o Processo que se só ganha inteireza na medida em que se desenvolve; a difusão da divindade pelo que vem dela... E por aí vai, em golfadas de gênio, o pagão militante. Na época (século V), a birra de Proclo constituía o último suspiro de uma cosmovisão que não tinha mais lugar ao sol, nem um reconhecimento sólido. Só seria rediviva em plena Alemanha, em pleno século XIX, em pleno Idealismo. Hegel, se não me engano, disse que sua Filosofia era a de Proclo, expressa de maneira diferente.

Já bastava esse retorno para lançar algumas dúvidas sobre Proclo. Mas o problema é mais profundo. Desde seu século, até nossos dias, esse rapaz tem uma autoridade monstruosa entre pseudo-esotéricos. A penetração de seu "sistema" ajudou a organizar o besteirol ideológico gnóstico, tornando-o mais e mais sofisticado. Segundo Voegelin, um dos promotores dessa propagação era ninguém menos que o Pseudo-Dioníso Areopagita, autor da Hierarquia Celeste, que seria comentada por São Tomás e mais uma plêiade de teólogos.

Em uma de suas conferências sobre os Padres da Igreja, o papa mencionou oportunamente a fonte da especulação teológica (de forte caráter neoplatônico) realizada por Dionísio. O fato é que o livro Elementos de Teologia, de Proclo, foi aproveitado e assimilado na teologia apofática, e recebeu, também ao longo da Idade Média, os mais notáveis comentários. A obra não é tão má. Ao contrário da anterior, Teologia Platônica, um panfleto destinado a transformar os deuses em forças da natureza para manter o culto a eles aceitável, desviando o politeísmo sinuosamente de uma montanha de objeções, os Elementos trazem uma contribuição valiosa, externado a componente religiosa de Platão de uma maneira mais pacífica. Eis que, numa reviravolta um tanto surpreendente, o anticristão que já proclamava a vitória sobre seus tolos inimigos teve o melhor de si integrado na riqueza esplêndia do Areopagita, e talvez seja justo dizer que participou, a seu modo, da grande retenção das positividades neoplatônicas, empreendida por Santo Agostinho.

Permanece, no fim, o adágio de São Justino: "tudo o que foi dito de bom, pertence-nos a nós cristãos".

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